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segunda-feira, 5 de março de 2012

Canta(-te)

Sobre a passadeira brilha o Sol da Sexta-Feira que se pôs em Cascais.
A brisa, envergonhada e gentil empurra e leva ao colo papéis amachucados ao longo dos travessões, encardidos, pintados, nas cores negras do alcatrão ainda recente.
Pairam nuvens lá longe, falsas e fingidas, que não fazem chover. Apenas de tempo a tempo, se aproveitam para cortar os raios, deixando na penumbra o “flyer” que acaba de se recostar junto à calçada.
É tépida e líquida a tarde.
Em bifurcações, sem peneira para se tapar a nossa estrela, escrevo. Mentalmente (porque a caneta da escola morreu da falta de tinta) de recordações recentes. Futuros tão irreversivelmente imaginados que tocam quase na realidade (que apenas vale a quem não consegue imaginar nada melhor).
Fala-me ao ouvido… Tímido rumor do miocárdio. Que aprendera recentemente a cantar sem floretes (aluno de mérito).
Fala-me, canta-me em cantigas faladas e recheadas das efemérides do nascer dos Sóis de Segundas e Quartas que ainda tardam em dias que parecem não ter fim...
Canta, certo de que cantar é a chave das Portas de Quimera.
Bate, calmo e forte, tão possante quanto sonho que os sonhos sejam (e serão por certo).
Canta, como coração cantante que esperou demais pelo fim do silêncio denso e cru, de vácuo que transportei tantas vezes no peito.
Canta manhãs, descreve nos tons, as cores, proibidas. De um espectro que me acostumei a ver apenas no céu.
Canta, como se a vida nunca lhe tivesse dito que apenas o silêncio vale ouro.
Canta…
Canta como canta sempre que espero…
Canta, rima desfazendo as bifurcações da alma, dissolvendo cruzamentos e dúvidas, dilemas e enleados, numa solução de passados enlameados de insignificância que vezes de mais cantou na melancolia das insónias, com um flauteado de fatalidades.
Canta como a brisa que toca a nuca e arrepia a espinha em agudos divinais.
Canta Epopeias sentimentais e de final incognitamente feliz (espero). Odisseia em que nunca Icara teria perdido a esperança.
Canta como cantam os corações dos homens que vivem para ouvir o coração cantar.
Canta sem fingir, playback ou pautas arranjadas algures.
Canta prados verdes de calma, em que só o agitar da folhagem fala. Numa língua mágicas que, em segredo, Caeiro se divertira a traduzir.
Canta, e canta e canta sete vezes no júbilo que é o hino que dá valor à vida.
Canta à capela e sem fronteiras, rezando a chegada do momento em que sussurrarei esse canto ao teu ouvido.
Direi no fim que coração cantante canta os ecos que nunca as palavras escritas ou sussurradas à beira mar poderão traduzir.
Coração do poeta canta ensaiando as verdades nas entre linhas e nas pausas entre arpejos.
Esse coração que já se fartou de cantar na penumbra de uma música já composta improvisa agora em solos loucos e abismais.
E eu espero, cantando sem cantar o que o coração que não conhecia a certeza me sussurra lá dos confins da alma.
Apenas tu, na certeza da hora certa saberás o que canta esse coração (que canta o que jamais o ouro poderia pagar) quando ouve a tua voz.

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